Han Lili*
Começamos por citar alguns comentários de outros poetas sobre os versos de Susana Un, a fim de ter uma ideia geral sobre o estilo da poetisa.
Vivendo numa prosperidade superficial, a poetisa tem “sangue frio” e observa a realidade com uma certa distância. Este afastamento reflecte-se nos seus poemas que, muitas vezes, transmitem sentidos de crise. As suas experiências pessoais alargam a visão, aumentando, por sua vez, a profundidade dos poemas.
Yao Feng, poeta de Macau
A escrita de Susana Un sobre a realidade apresenta a sensibilidade feminina, mas de forma surreal.
Liao Weitang, poeta de Hong Kong
O charme dos poemas de Susana Un vem do cruzamento cultural dos diversos lugares. No contexto chinês variável entre Macau, Taiwan, Hong Kong e até nos Estados Unidos, os tópicos literários [motif em inglês] dos seus poemas apresentam uma perspectiva única que a distingue no palco da poesia chinesa.
Lin Dejun, poeta de Taiwan
Estas críticas literárias apontam para um facto inegável: no palco da poesia de Macau, nasce uma nova estrela – Susana Un, que introduz, empenhadamente, a sua sensibilidade e bom senso nos versos poéticos, tentando estabelecer o estilo singular que a define.
Os versos que Susana Un passa para o papel reflectem a riqueza do seu percurso pessoal na juventude. As imagens da China, Macau, Taiwan, Hong Kong e Nova Iorque apresentam o setting do corpo poético, enquadrando geograficamente os sentimentos. Entretanto, não se vislumbra nestes versos nenhum sentido de pertença. Este afastamento emocional apresenta-se em poemas como “Passeio na Academia Imperial”, “Nocturno em Beijing”, “Taipei na Aurora”, etc.
O poema “Estação Central de Nova Iorque”, no sentido rigoroso, talvez não seja considerado um poema com imagens. Todavia, numa perspectiva não essencialista, conseguimos ver uma cena cinematográfica – uma imagem colectiva de multidão.
Deslocar é para encontrar
Parar é para pensar
Virar é para chegar
Estação Central de Nova Iorque, Susana Un
(tradução nossa)
Trata-se do poema mais curto e intenso de toda a colecção, que elenca uma série de acções, espelhando assim uma imagem colectiva abstracta. Em outros poemas podemos ver imagens concretas e tangíveis, que, em si próprias, são conotativas, incentivando, sinuosamente, nos leitores, imaginações surreais. Os poemas parecem quadros cubistas, em que a “colagem” de imagens tece sentimentos estéticos.
Paralelamente, os poemas convidam os leitores ao diálogo. Com a omissão de sujeitos, o fluxo da consciência da autora, escondido entre os versos, uma vez descoberto, torna-se num monólogo interior para os leitores. Esta técnica emprega-se nos poemas “Galinhas e coelhos na mesma gaiola”, “Cantiga dos emigrantes”, “Wonderland”, etc.
Por exemplo:
Galinhas e coelhos na mesma gaiola
ligar a água da torneira no hemisfério norte
a água corre para a esquerda ou para a direita?
as pessoas que sabem são consideradas inteligentes
abrir o frigorífico
o resultado é para fazer o quarto mais quente
nesta dedução o raciocínio vence a imaginação
trinta e cinco cabeças, noventa e quatro pernas
a quinta desta dimensão, barulhenta e abarrotada
abrir a gaiola
galinhas e coelhos em duas linhas
discutindo
quantas terras os homens precisam
para perder o interesse
em cativeiro
[Nota: expressão utilizada no título representa um antigo problema aritmético chinês]
Num ritmo nem apressado nem demasiado abrandado, este poema apresenta, no final, a sua verdadeira intenção. Como fábula, o poema não dá uma resposta óbvia, mas faz pensar de forma sinuosa em questões perturbadoras aos homens. Os leitores são convidados a participar desde o início nesta “conspiração” e acabam por entrar, ao fim dos versos, em profunda auto-reflexão. A peripécia do poema culmina mediante esta experiência vivida pelos leitores. No fundo, uma boa literatura pode resultar numa boa experiência de leitura. Os poemas de Susana Un provocam esse efeito.
* Subdirectora da Escola Superior de Línguas e Tradução do Instituto Politécnico de Macau
Mais sobre a obra:
Título: Wonderland – Colecção de Poemas de Susana Un
Ano de publicação: 2011
Editora: Vista Publishing, Taiwan
Páginas: 141
Sobre a poetisa (em chinês):
http://liveliterature.blogspot.com
http://blog.sina.com.cn/yuanshaoshan